Uma biografia que nos leva a caminhar nos passos da trajetória de vida de um dos grandes nomes do cristianismo brasileiro no século XX, Dom Helder Camara.
Ao passar em uma livraria ou navegando em uma Amazon da vida, você poderá se deparar com uma bela ilustração do Cardeal brasileiro na capa de um livro mas ao olhar o título, logo irá perceber que não há a palavra DOM antes de seu primeiro nome, Helder, isso porque a biografia vai muito além da vida do cearense como Bispo. Helder Camara - Quando a vida se faz Dom é uma pesquisa dos escritos deixados pelo Cardeal, lindas memórias do autor e fatos históricos.
Por ser escrito com quem conviveu com o biografado, o lado mais humano de Camara, um olhar caridoso e essencial aos pobres e a classe operária, fica ainda mais claro e visível a quem lê. Com esse carisma de Dom Helder, se desmistifica a ideia que ainda há em algumas pessoas, que o Padre é um Santo que vive o tempo todo em oração e rezando Missas. O Sacerdote deve ser muito mais do que isso, cada ordenado precisa demonstrar e amar o povo, e isso ele foi!
Se vivo nos dias de hoje, Dom Helder seria um grande amigo do Papa Francisco, que desde seu discurso de posse em 13 de março de 2013 disse que queria uma Igreja fora dos muros, uma Igreja Missionária e em seus escritos como Pontífice, sempre apresentou a preferência pelos pobres.
Filho do funcionário público e jornalista João Eduardo Torres Camara Filho e da professora Adelaide Rodrigues Pessoa, Helder nasceu em uma família com poder aquisitivo elevado e de mãe muito Católica. Logo a mãe de treze filhos, ensinou a cada um a importância da Missa Dominical e demais costumes de um cristão fiel.
Não demorou muito para que o desejo de Helder de se tornar Padre nascesse. Mesmo o pai não sendo cristão, nunca proibiu a escolha do filho e ao terminar os estudos passou anos no Seminário da Prainha, administrado pelos Padres Lazaristas, que tinham como foco as regras de São Tomás de Aquino e o canto Litúrgico.
Após ordenado Padre, nosso personagem passa por um período de difícil silêncio e em uma de suas circulares, diz que não consegue ser 100% sacerdote. Até que após alguns anos no Rio de Janeiro, é ordenado Bispo e escolhido como um dos Bispos auxiliares da cidade maravilhosa.
É a partir de 1955 que Helder ganha destaque devido o seu amor aos pobres e o carisma da caridade. E é nesse ano que organiza o 36° Congresso Eucarístico Internacional. Outros pontos em que vemos a liderança nata do Bispo, é a idealização e criação da tão conhecida CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) com outros companheiros, a Cruzada de São Sebastião e a participação assídua em todas as fases do Congresso Vaticano II, onde questionou diversas vezes o amor do Cristo aos mais necessitados e a ideia de que os Padres deveriam fazer uma Igreja a esses moldes.
Por isso foi um tanto quanto perseguido durante as visitas a Roma e mesmo em nosso país, por Bispos e teólogos que eram contra as ideias do Cardeal. Outros fiéis companheiros de estrada, sofreram críticas junto com ele, como Dom José Távora, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Aloísio Lorscheider. Esse grupo também foi fonte da verdadeira luta pela democracia e peças fundamentais da Igreja contra a última ditadura militar brasileira (1964 a 1985), os tristes anos de chumbo, que teve Católicos leigos e religiosos torturados e assassinados. Tristes acontecimentos de nossa história e que o autor apresenta com ricos detalhes no livro alguns fatos desconhecidos.
Dom Helder Camara quase ganhou o Prêmio Nobel da Paz, mas sofreu diversas perseguições e denúncias que abalaram o comitê norueguês, responsável pela honraria. E nesta biografia Hoornaert escreveu que nosso Cardeal era sim um homem da paz:
"[...] Helder rejeita radicalmente o 'princípio de guerra' [...], rompe o princípio 'olho por olho, dente por dente, do Código de Hamurabi (1700 a.C.); discorda radicalmente de políticas de vingança. Em 1971, ao escrever o livro Espiral da violência, Helder segue o postulado de Gandhi e afirma que a não violência não é passiva, não significa silenciar diante da injustiça, mas implica em assumir uma postura crítica e combativa diante dela, numa perspectiva pragmática".
p. 240
É bonito o carinho como Helder escrevia aos que amava em suas famosas cartas circulares e como em alguns relatos do autor, vemos uma intimidade, das vezes que se esbarraram depois de uma Missa ou em uma conversa na Sacristia.
Além de toda sua linda trajetória de vida, Helder era poeta e deixou diversos escritos. O trecho de um deles, vale a pena destacar (o que achei mais bonito entre os que estão no livro):
"Que seria do mundo sem sonho?
Quem seria dom Quixote sem Dulcineia,
quem seria Francisco sem Clara?
Não há tesouro sem sonho;
O clamor dos pobres é a voz de Deus;"
p. 255
Abraços Literários,
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