Em Rua Qualquer, Sem Número, o jornalista Marcelo Brettas busca dar voz e vez para homens e mulheres, idosos e crianças que muitas vezes fingimos que não existem.
Entre poemas, cordéis, contos, crônicas e páginas como de um diário, conhecemos diversas faces de Marias, Joãos, Ricardos, Paulas e tantos outras pessoas que não têm um endereço para chamar de seu e uma casa para voltar no fim do dia para descansar.
Ao ler cada um dos capítulos, você se coloca na pele daquelas pessoas que sabem o que é a pobreza e sentem o pesadelo da fome a cada dia e alguns relatos são quase que inacreditáveis e um tanto quanto interessantes, como é o caso do morador de rua.
Já ouvi muitas pessoas falarem que “aquelas pessoas estão ali porque querem”. Sim, existe esse público, mas muitas vezes há pessoas que vagam sem rumo devido seus problemas mentais, depressão, dependência de alcoólica ou química, idosos abandonados pelas famílias, trabalhadores despejados por desemprego, e desse último caso, muitas famílias que mesmo na tristeza de não ter nada, se mantém unidas sonhando com dias melhores. Mas sempre o que mais me comove é quando me deparo com cenas de crianças que já nasceram vagando por terminais de ônibus e viadutos.
“Tem gente boa na rua, mas também tem muito vagabundo e preguiçoso. Mas o que dá dó é ver esse monte de crianças jogadas pelas praças!”
p. 149
Logo no início do livro, conhecemos Raimundo, homem que presenteia as pessoas que conversam com ele o que ele chama de rabisquinho, que são pequenos textos escritos por ele mesmo e que trazem a sua grande arte: a escrita. Você já imaginou ganhar um livro de um morador (autor) de rua? O autor da obra ganhou o seu.
Dos textos, os contos e as crônicas, essas especialmente, pois nos faz sair de nosso lugar comum e pelos parágrafos conhecermos imigrantes dos extremos do Brasil, pessoas que se separaram, menores esquecidos e outros que a rua foi seu destino por causa de algum percalço causado pela vida, mas também um ou outro testemunho de vitória.
“Agora, Mariana estava sozinha, com a pequena Luiza no colo, nas ruas de uma das cidades mais violentas do mundo. Passaram fome e frio, se molharam e secaram juntas, mas Mariana nunca roubou, bebeu ou se drogou. A filha era a sua razão de viver.”
p. 99
E como profissional de comunicação, Brettas dá um toque jornalístico ao relatar uma das cenas mais tristes que o Brasil contemporâneo presenciou:
“Um grupo de policiais com as cabeças cobertas por gorros e máscaras chega à praça em frente a Igreja da Candelária e dispara os seus revólveres e metralhadoras. O alvo: 72 crianças e adolescentes de cinco a quinze anos que dormiam na rua. O verdadeiro motivo nunca ficou claro [...]. A verdade é que, naquela noite, oito garotos foram mortos”
p. 94
Praça da Sé, Central do Brasil e tantos outros bairros de grandes metrópoles são palco de cenas que vemos em Rua Qualquer, Sem Número, o que acalenta nosso coração é que existem super-heróis sem capa, como Padre Júlio Lancellotti, que assina o prefácio do livro, os Anjos da Madrugada, a Comunidade Aliança de Misericórdia, entre outros, que dão o mínimo de dignidade para seres humanos quase invisíveis para toda nossa sociedade.
Se conhecesse pessoalmente, quem eu daria um exemplar da obra de presente?
Hoje, se pudesse indicar a obra diretamente para alguém, seria para o prefeito de São Paulo / SP, Ricardo Nunes, que fez um projeto totalmente sem estrutura e fundamento que teve início em fevereiro e que recolhe barracas de pessoas em situação de rua.
Ao ver as cenas da triste notícia, só consegui pensar uma única coisa: “Quem tem tudo tirando de quem não tem nada!”. Não quero dizer que os poderosos pegaram os bens para si, mas sim que invisibilizaram as pessoas, os documentos, as poucas roupas e o mais próximo que aqueles irmãos tinham para chamar de lar.
Caso conheça alguma pessoa que sofre de aporofobia ou que tem grande preconceito aos moradores de rua, dê de presente Rua Qualquer, Sem Número e após a leitura é quase impossível a pessoa não mudar um pouquinho que seja de ideia.
Adquira seu exemplar do livro Rua Qualquer, Sem Número, de Marcelo Brettas.
Siga o Marcelo Brettas no Instagram: @marcelosbrettas
Abraços Literários,
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