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Resenha | Livro: VERDE, AMARELO E OUTRAS CORES, de Antonio Carlos Brandão (Editora Labrador)

Recebido em parceria de Leitura Coletiva promovido pela LC Agência de Comunicação, VERDE, AMARELO E OUTRAS CORES, de Antonio Carlos Brandão é uma utopia tropical, entre a filosofia de botequim e a criação de um povo



Em Verde, Amarelo e Outras Cores, Antonio Carlos Brandão tenta construir um romance ambicioso, com uma mescla filosofia, crítica social e religiosidade plural em torno de uma utopia tropical chamada Nova Ilusão. Nesse pequeno povoado perdido no Brasil pré-republicano, o autor ensaia uma sociedade ideal — baseada nos pilares da Revolução Francesa, mas com sotaque brasileiro, sincretismo afro-indígena e certo lirismo popular. O resultado oscila entre a beleza de uma fábula e a dispersão de uma narrativa que parece, em muitos momentos, mais preocupada em expor ideias do que em desenvolver conflitos.


O enredo parte do leito de morte de Feliciano Firmino, um jovem inteligente nascido em Nova Ilusão, cuja história nos é contada pelo narrador Frei Barbudo, uma figura caricata, de um religioso meio eremita, mas que na verdade é um impostor.


Com passado duvidoso e sem qualquer formação religiosa, Frei Barbudo se apresenta como guardião da história local e, de certo modo, como porta-voz do autor. Essa escolha já sinaliza o que virá: uma narrativa permeada de um toque de ideias de ética, religiosidade e correntes filosóficas, que refletem a diversidade cultural do Brasil, mas que, ao longo do romance, acabam comprometendo a organicidade da trama.

 

“Eu apareci em Nova Ilusão há muito tempo, trazido pelo José Antônio Adrien Charles Broussard, conhecido como ‘Coronel’, depois que ele me encontrou quase morto na mata.”

p. 6


Nova Ilusão é, como o nome sugere, mais ideal do que real. Criada pelo Coronel Broussard, neto de revolucionários franceses, é quase que um experimento social onde se tenta viver à margem das estruturas dominantes do país, longe do Império, longe da República, longe da Igreja institucionalizada. Povos indígenas, ex-escravizados, imigrantes e visionários dividem o mesmo espaço com liberdade e respeito. A miscigenação é celebrada, e, o amor floresce de forma quase mágica, como nas passagens em que o romance dos personagens Feliciano e Emerinha parece fertilizar a terra e adoçar os frutos.


Enquanto Darcy Ribeiro apresenta a formação dos cidadãos brasileiros através da miscigenação em seu clássico O Povo Brasileiro (Global Editora), Verde, Amarelo e Outras Cores, é uma tentativa de romantizar um país formado por negros, europeus e povos originários, mas por ser uma ficção com pitadas de opiniões pessoais, o Brasil utópico da obra se esquece de alguns detalhes do que realmente se concretizou na composição de cidadãos brasileiros.



Personagens como Tião, ex-escravizado e intelectual autodidata, enriquecem o livro ao trazer reflexões sobre religiosidade, ancestralidade e a formação do sincretismo brasileiro. Um exemplo, está neste personagem, que tem um crucifixo por admiração a Jesus, embora sua fé esteja em Olodumarê — gesto que resume o espírito do livro: respeitar o diferente sem precisar assimilá-lo.


O fato se repete nos dias de hoje, visto que muitas vezes vemos uma enxurrada de frases como de Dalai Lama, Mahatma Gandhi e de Santos Católicos nos status de whatsapp e montagens no Instagram. Se perguntarmos aqueles que compartilharam o pensamento, se ele é seguidor dos pensamentos daquela figura pública, é quase possível ouvir que “não conheço, mas achei a frase linda...”

 

“O Coronel Broussard pediu para Feliciano, que já sabia de muitas coisas das letras, me orientar sobre os assuntos ligados à religião. Sobretudo, traduzir alguns textos da Bíblia, textos esses que seriam usados por mim para um sermão em latim, e que poderiam ser sempre parecidos, mas não iguais, para não causar estranheza àquela gente que, mesmo sendo ignorante, haveria de notar.”

p. 111

 

O próprio Frei Barbudo, católico de fachada, passeia entre crenças africanas, indígenas e leitor de livros de sociedades secretas, que erroneamente, segundo o narrador do romance, membros fortes da Igreja Católica estariam na fundação de tais seitas. Com isso, ao tentar conciliar tantas correntes de pensamento, o romance frequentemente se perde em qual corrente é pregada em Nova Ilusão. O que dá ao texto um tom da chamada “filosofia de almanaque”, instigante, sim, mas nem sempre convincente.


Entre todos os personagens, Bambolino, o palhaço atemporal do circo que chega à Nova Ilusão, é quem melhor sintetiza a atmosfera alegórica da obra. Ele surge como guia espiritual, provocador filosófico e símbolo da utopia ameaçada. Sua figura, por vezes jovem, por vezes não, pode ser interpretada como um alter ego do próprio Frei Barbudo. Sem dúvidas, é uma das presenças mais instigantes do romance.


Apesar da riqueza de ideias e da pluralidade de vozes, falta um grande conflito e tensão, ingredientes básicos de narrativas longas. A trama praticamente é uma apresentação da comunidade em quase toda a extensão do livro, e só nos instantes finais, quando há uma virada na vida de Feliciano, e o tempo passa de forma muito rápida, é que a história tenta correr, mas parte para um final quase que frenético com personagens conformistas.


Anos se esvaem em dois parágrafos, um ritmo que contrasta com o passo contemplativo das cem páginas anteriores. Verde, Amarelo e Outras Cores é um livro corajoso, que propõe uma reflexão profunda sobre identidade nacional, mas tropeça em algumas de suas próprias ambições. Mas é notável a beleza nas páginas e sinceridade no projeto.


A ideia de Nova Ilusão é semelhante à ideia da comuna no sul dos Estados Unidos The Garden, exposta ao mundo através da série homônima, disponível na Prime Video, e, com subtítulo de “Comunidade ou Seita?”, devido não ter um governo, a ideia de viver junto à natureza e só ela basta e ela dá tudo o que é necessário para o ser humano viver, sem necessidade de filosofias ou teólogos.

 

“Era só não haver competição, não haver guerra e não haver medo que a natureza supriria tudo [...]. E acabou concluindo que ali, naquele pedaço de mundo que era o seu país, e perto de Nova Ilusão, onde a simplicidade e a mistura de raças estava acontecendo, se muktiplicariam e formariam uma só nação de misturas de raças e cores, que seria a solução da felicidade.”

p. 155

 

Confira o trailer de The Garden:


Em live do autor ao apresentar para produtores de conteúdo a sua obra, Antonio Carlos Brandão citou que viveria em Nova Ilusão. Logo, seria o povoado apresentado no livro uma The Garden brasileira? E qual seria a resposta da pergunta do subtítulo da série original para a versão criada em Verde, Amarelo e Outras Cores? – Lendo o livro, você poderá tirar as suas próprias conclusões.


Nota: 3/5.

 

Abraços Literários,


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